Já se foi o dia em que esta rua era minha... Era minha e de quem me viu nascer, era da merceeira e suas filhas que vendiam as "gorila" ao preço da chuva, do dono simpático do café que por ali deixava o engraxador fazer uns trocos a engraxar os sapatos de quem tomava café (e às minhas botas ortopédicas), ou a varrer o chão, salvando a sua família da miséria eminente, era dos putos de rua que não roubavam os desta rua, era da minha vizinha velhinha que comunicava comigo através de toques na parede, era dos donos do tasco em frente, dos seus três filhos e dos melhores panados com arroz de feijão que alguma vez comi... Sim, esta rua já foi minha e agora é de ninguém.
Os que me viram nascer, já eu vi morrer, a merceeira abre a loja com garrafões de água comprados no supermercado ao lado, uma das filhas fugiu e a outra que ficou é alcoólica, o homem simpático do café passou-o a um antipático, o engraxador morreu e as suas filhas, bem como as netas, são prostitutas, tendo cada uma 3 ou 4 filhos de pais diferentes e na casa onde viviam, moram agora os ratos, os putos de rua são agora bandidos a sério e chamaram outros de fora que roubam esta rua, a vizinha definhou até à morte e ninguém mais bateu na parede, e o tasco... fechou depois da morte de um dos filhos. É agora um prédio, de gente que não conheço.
Esta rua que já foi minha, está agora entregue a caras que mudam ao fim de um contrato de arrendamento, gente que não veio para ficar e que não se dá a esta rua... gente que deixou que a vida inteira dos outros fosse esquecida, como se nunca tivesse existido... Esta rua passou a ser fria, desconhecida, impessoal, vazia, suja, estragada e mera passagem de camiões que abrem rachas nas casas centenárias, destruindo o pouco que sobra e que certamente irá dar lugar a mais um prédio de gente que não se conhece...
Se esta rua fosse minha, voltaria a ser nossa.
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