domingo, 10 de maio de 2015

Viagem

Chego. Pouso a mala na sala e ando por ela. Olho os móveis como se a certificar-me que estão no mesmo sítio onde os deixei. Olho com olhos de quem procura mas sabe que não vai encontrar ninguém. Aos pés, uma bola de pelo que me recebe como eu gostava de ser recebida por outro alguém e se senta no meu colo como a amparar-me de mais uma perda.
Respiro este ar pesado e vazio de vozes... em mim, ainda há uma réstia do teu cheiro, não sei se na roupa ou preso em mim mas é sempre assim quando regresso.
Fecho os olhos e penso nestes dias que passaram... Conheço-te mais agora do que antes. Vejo aquilo que os outros não vêm e não compreendem. Vejo o que me apaixona. Se ao menos soubesses o que sinto, o que tenho a dizer... mas o fim chega sempre depressa demais e eu tenho de voltar. Calada no que sinto. Sem contar. Sem ti. E voltar assim, mata-me aos poucos. Mais depressa do que este ar contaminado de ódio e solidão.
As palavras não ditas, sempre guardadas para uma próxima vez sabendo que essa vez será provavelmente igual a todas as outras.
O que sinto hoje, é maior do que eu pensava e talvez mais do que devia ser. É provável que alguém saiba o que calo em mim mas sei que fica na incerteza se eu não o disser alto e bom som ou num sussurro ao ouvido e assim, o fim chega antes sequer de ter começado.
Estou cansada. De estar pronta a falar e as palavras não terem direito a uma ocasião. De esperar pelo momento certo que nunca chega. De não tirar este sentimento que se tornou fardo, de dentro de mim.
E eu não era assim. Nunca tive medo de dizer o que sentia nem muito menos das consequências. Se isto é envelhecer, mata-me já porque não fui feita para calar ou desistir sem tentar.
Abro os olhos. A gata que me consolava desistiu do impossível e descansa na mala que ainda ao bocado era tua. É hora de ir dormir e fazer de conta que sou feliz sem ti. Até à próxima vez que te vir.

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