Serei sempre assim. A eterna distraída que bate vezes sem conta no mesmo poste e tropeça sempre no mesmo paralelo sem se dar conta. Houve apenas uma vez nos meus 33 anos que vi o que muitos não veem uma vida inteira só e apenas porque não lhes damos a devida atenção. Costumo brincar e no fim de algumas nódoas negras dizer: " às vezes precisava de quase me afogar para ver o que me rodeia com extrema exactidão"... Mas tem a sua meia parte de seriedade. Foi a única vez em que vi o que não voltei a ver. Não da mesma forma e ainda hoje lembro o dia em que uma onda mal calculada me tirou o chão dos pés e me arrastou para o fundo daquelas águas. Aos pés, inertes, lembro-me de os ver entre as bolhas de água, misturados entre o verde escuro de um sítio distante da luz que me torra a pele. Calma. Muita calma. De quem deixa de ter medo de morrer. Aquela linha invisível que nos mata ou devolve a vida. Tudo pára num instante de centésimos. A urgência do respirar desaparece para dar lugar a uma data de momentos que me passam em flash... Adrenalina. De quem continua a não ter medo de morrer mas decide fazê-lo a tentar viver. Fecho os olhos. Pés na areia e novamente a bomba de oxigénio que engasga os meus pulmões. 17 anos depois, não voltei a ver o que vi mas o que vi manteve-me viva até hoje. E no meio da vida que nunca quis caótica, vi a aproximação de um caos que me muda os pensamentos mas que de alguma forma, era há muito desejado. Só hoje o percebi. Correcção, só hoje tive a certeza e o aceitei. Serei sempre assim. Nunca pensarei no que não vejo mas por vezes, sou eu que me recuso publicamente a ver. Vejo-o por vezes, secretamente em momentos de vazio ou solidão. Talvez se os dias fossem outros, se as distâncias se cortassem com lâminas destas tesouras que prometem cortar ferro se nem cortam papel, se as certezas fossem certas no meio da incertidão que nos ocupa o espaço e o ser... Talvez a realidade pudesse ser real... Mas seria fácil demais e nunca lhe daríamos o verdadeiro valor. Seria ruim em excesso. Vazio de conteúdo e de conversas ao fim de umas semanas.
Hoje afoguei-me outra vez. E novamente a calma trouxe a fúria de viver. Reconhecer quem sempre conhecemos e nunca vimos com olhos de ver. Hoje, depois de todo o choro das crianças dos outros, de 40 fraldas mudadas e 8 horas de trabalho em dias que copiam o inverno, cheguei a casa e vi-te. E em ti, vi-me a mim.
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