quarta-feira, 20 de julho de 2011

Orange

Dei por mim sentada num sofá laranja. À minha frente um copo meio vazio, cheio de sabor a sede. Um cheiro no ar a incenso barato para disfarçar o cheiro a tabaco, de quem ilegalmente permite fumar mas não gasta um cêntimo em sistemas de exaustão de fumo.
Lá em cima está a empregada surda e a dona cansada de nada. O negócio morreu e ninguém as avisou. Não fosse o meu copo já vazio e a caixa registadora não veria a cor das moedas. Entra um outro cliente. Milagre! É dia de festa e elas levantam-se em simultâneo. Vem com cara de anti-tabaco, perfumado com colónia de bagaço rasca, sem saber se atura a novela na sala de cima ou o cheiro a tabaco de incenso na de baixo. Finalmente opta por se sentar numa mesa ao lado do w.c. masculino. Não tem importância, a cerveja que pediu será suficiente para lhe retirar qualquer réstia de olfacto ou paladar.
E dou por mim, quase com máscara de oxigénio, a pensar no que me traz aqui. Concerteza não é pela boa música, muito menos pelas caras bonitas dos ausentes.... é o vazio que me fascina. A beleza da paz... vá eu confesso, e o conforto deste sofá laranja.
Embora aqui tudo se resuma a uma morte eminente, súbita, há algo que me arrasta para cá.
O (agora identificado), bêbado de profissão e advogado nos tempos livres (sóbrios), afogou-se numa garrafa de cerveja no tempo em demorei a escrever "bêbado" (bolas, e logo eu que pensava conseguir escrever muito rápido). Discute processos em tom arrastado e com nariz vermelho, com a dona que chora a dívida dos tempos em que andava de BMW sem ter posses para tal. Deprimente. Mais ainda quando penso que estes, são o retrato de muitos que por aí andam. Vou-me. Há em casa todo um sentimento de vida que me equilibra. Amanhã haverá certamente mais constatações da podridão a que chamamos erradamente: sociedade.

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